sexta-feira, 14 de novembro de 2008

O Dia D

O terceiro dia em Punta Arenas foi marcado pela expectativa de todos os envolvidos na expedição. O primeiro dos dois vôos programados para a Antártica não estava confirmado. O problema era o mau tempo que não dava trégua ao continente gelado. Sem uma melhora, era impossível fazer um vôo com segurança.

A saída do hotel estava marcada para as 11:00 hs. Mas o piloto ligou do aeroporto avisando que não havia condição de partir. O próximo boletim saiu às 11:30 hs, e nada se confirmou. Continuamos todos esperando, 12:00 hs, 12:30 hs... Com o Presidente Lula foi pior, em fevereiro deste ano ele esperou dois dias em Punta Arenas sem garantias de que ia decolar.

E foi durante essa incerteza que no saguão do hotel conhecemos uma senhora de 84 anos de idade. Guarde bem esse nome: Alice Klaus, ou “tia Alice” como é chamada por todos da Marinha Brasileira. Vamos contar a história dela mais tarde.

O sinal verde do piloto da Força Aérea saiu às 13:00hs, foi o início de uma verdadeira corrida do hotel até o aeroporto, uma distância de 28 quilômetros. A comitiva lotou um ônibus com 60 passageiros, na chegada recebemos da Marinha Brasileira as andainas de sobrevivência na Antártida, na verdade são bolsas com casacos pesados para enfrentar a neve, botas e óculos especiais, tudo o que é necessário para ficar seguro numa temperatura que pode chegar aos 20 graus negativos, bem embaixo do buraco da camada de ozônio. Mas é bom deixar claro: todo esse material é só um empréstimo, no final da operação precisa ser devolvido, ou a equipe corre o risco de pagar até R$ 800,00 que é o valor de um casaco para neve por exemplo.

Na pista do aeroporto, o avião Hércules C-130 da FAB já estava carregado a espera dos passageiros, o embarque foi rápido, e o pagamento da taxa aeroportuária foi ali mesmo do lado da aeronave, e minutos depois já estávamos a caminho do sul.

E a tia Alice, lembra dela? Pois é, ela é a comissária de bordo oficial do PROANTAR, Programa Antártico Brasileiro, a mais antiga na profissão ainda ativa no Brasil, e talvez no mundo. Já fez mais de 100 vôos até a Antártica, todos representados com broches que ela prende na touca de frio. Tia Alice não quer nem saber em parar, é ela quem decide o que vai ser servido para a tripulação e os passageiros durante o vôo. E acredite: o lanche de bordo que ela prepara é melhor do que qualquer vôo comercial do Brasil deu até vontade de repetir a esfiha, e o sanduíche com requeijão, mas era só um para cada...

Voar num avião Hercules é uma experiência interessante. Não tem requinte nenhum de uma aeronave comercial. No interior você pode observar toda a estrutura metálica do avião, e os passageiros viajam todos um de frente para o outro, e bem perto da carga que pode ser de alimento, até peças sobressalentes de helicóptero. Apesar do ronco do motor, pode se dizer que há um certo conforto, por que você pode esticar as pernas, ao contrário de um vôo convencional que você fica espremido. Nossa equipe teve a oportunidade de visitar a cabine e conversar com o piloto da Força Aérea, Major Carlos Alberto, que já participou de mais de 25 missões na Antártica. Eu estava cochilando quando o avião pousou na pista da Base Chilena Eduardo Frei, uma aterrissagem tão suave que só despertei com o aplauso dos passageiros.

INFERNO BRANCO

Mas a realidade do solo antártico apareceu quando a porta da aeronave foi aberta. Foi nessa hora que descobri que o piloto fez um pouso perfeito embaixo de uma tempestade de neve. Não era possível enxergar nada a 50 metros de distância, e o barulho do vento gelado era ensurdecedor.

Pela programação original, após o desembarque na base chilena, todos iriam ser transferidos para o Navio Oceanográfico de Pesquisa Ary Rongel, de bandeira brasileira. Mas por causa da nevasca que não dava trégua, ficamos alojados na estação. Foi aqui a nossa primeira noite na Antártica.

A Base Chilena Presidente Eduardo Frei é comandada por militares, mas pesquisas científicas também são realizadas neste local. O alojamento com capacidade para mais de 80 pessoas também serve como hotel, os quartos são bastante simples, 3 metros de comprimento e 2 de largura, duas camas de solteiro, e o banheiro é coletivo. Se você quiser se hospedar ali, só precisa pagar uma diária de US$ 630,00. Mas não é garantia que a Força Aérea Chilena que administra a estação autorize tão fácil a entrada de turistas.

Outro problema é o refeitório que fica a quase um quilômetro e meio e distância do alojamento. Tudo bem, uma boa caminhada faz bem à saúde, mas não embaixo de uma tempestade de neve. Só conseguimos jantar nesse dia, por que um “snowmobile”, um carro com esteiras adaptadas no lugar das rodas como um tanque de guerra, serviu para o nosso transporte.

Um grande problema da estação é o sistema de comunicação. O que melhor funciona é o rádio. Telefone nem sempre, e internet é ficção científica. Por isso ficamos sem mandar notícias por 3 dias.

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